A condecoração de Spínola é uma afronta à revolução  

Foi hoje noticiado no jornal Público que Marcelo Rebelo de Sousa condecorou postumamente o marechal Spínola com o Grande Colar da Ordem da liberdade, a mais alta insígnia da Liberdade. É difícil de pensar em maiores oxímoros que “Spínola” e “Liberdade”!  

Militar de carreira, simpatizante nazi, durante a segunda guerra mundial esteve na frente oriental como “observador” do cerco a Leninegrado, integrando-se (na prática) na Divisão azul que reunia voluntários espanhóis e portugueses, dispostos a combater a URSS ao lado do exército alemão. 

Em 1961, no alvorar da luta pela libertação de Angola, escreve uma carta a Salazar oferecendo-se como voluntário para ir combater em prol da perpetuação do colonialismo português. Foi, mais tarde, pessoalmente convidado pelo ditador para assumir o governo militar da Guiné-Bissau em 1968, cargo que desempenhou até 1973. Já em Janeiro de 1974 seria nomeado Vice-Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas: a segunda posição mais importante nas forças armadas da ditadura.  

Spínola foi um fascista convicto, um homem do regime durante toda a sua vida adulta, pessoalmente empenhado na defesa do colonialismo português. Um mês antes do 25 de Abril, consciente da impossibilidade duma vitória militar em África, estando perfeitamente a par do fermento de revolta que existia nas forças armadas, esquivou-se ao beija-mão que Marcelo Caetano procurou receber das altas chefias militares, após o levantamento das Caldas, ensaio falhado do que viria a ser, poucas semanas depois, o golpe de 25 de Abril. Essa foi o seu único ato de dissidência em 48 anos de ditadura! 

Spínola não mexeu uma palha para que o 25 de Abril se fizesse. Porém, cercado no Carmo pelas forças do MFA, Marcelo Caetano solicitaria a presença de Spínola para proceder à sua rendição e passagem do poder ao general para evitar (nas palavras de Marcelo) que “o poder caia na rua”. Com efeito, o poder caiu-lhe (a ele Spínola) no colo. Tendo feito o golpe de Estado, os Capitães entregaram o poder a uma “Junta de Salvação Nacional” composta por altas patentes militares que (supostamente) iriam aplicar o programa do MFA. Foi por insistência de Spínola que a referência ao direito à autodeterminação dos povos africanos seria retirada do programa do MFA e, na primeira declaração ao país, já noite adiantada, assumiria até a intenção de defender a “pátria soberana no seu todo pluricontinental”… 

Escolhido para Presidente da República pelos generais e brigadeiros, seus colegas da Junta de Salvação Nacional, Spínola rapidamente entrou em choque com o curso da revolução portuguesa, vociferando contra o que chamava de “caos social” que ameaçava a ordem burguesa na metrópole e os planos neocoloniais para África.  

Logo em julho de 74, tenta o chamado “golpe Palma Carlos” quando, através duma proposta do primeiro-ministro por si escolhido, tentou adiar as eleições para a Assembléia Constituinte por mais de dois anos e referendar-se, no imediato, como Presidente da República com poderes reforçados e controlo sobre as Forças Armadas. Tendo sido rejeitado pelo Conselho de Estado, Spínola apelou diretamente à mobilização da reação através da convocatória duma manifestação da “maioria silenciosa” para 28 de setembro. A ideia era provocar uma gigantesca provocação na Lisboa vermelha que o “obrigasse” a ter de declarar o Estado de sítio e assumir plenos poderes. A mobilização popular de véspera frustrou esses planos. Spínola teve de abdicar da presidência, mas não desistiu de conspirar: no dia 11 de Março de 1975 tentou um golpe militar contra a revolução. Tendo esta última tentativa fracassado miseravelmente, fugiu primeiro para a Espanha franquista e depois para o Brasil da ditadura militar. 

Sem se dar por vencido, mesmo foragido do país, fundou e liderou o Movimento “Democrático” de Libertação de Portugal, organização terrorista financiada por grandes capitalistas e negócios obscuros que cometeu dezenas e dezenas e dezenas de atentados terroristas com uso de bombas ou fogo posto contra sedes dos sindicatos, do PCP e de outras organizações de esquerda. Várias foram as suas vítimas, algumas delas mortais, como o padre Max. 

O regime de Novembro sabe reconhecer e bem tratar o seus 

Do MDLP fizeram ainda parte Diogo Pacheco de Amorim do Chega, que agora é Vice-presidente da Assembleia da República, ou José Miguel Júdice que faria uma carreira política “respeitável” no PSD e tem há vários anos um programa de comentário político (sem contraditório) na televisão portuguesa. Ter conspirado, intentado golpes de Estado ou organizado campanhas terroristas contra a revolução portuguesa não foi um óbice ou handicap para ninguém após o 25 de Novembro. Pelo contrário. 

Spínola pôde regressar ao país logo em Agosto de 1976, num conluio a meias entre o então presidente general Ramalho Eanes e o primeiro-ministro e líder socialista Mário Soares. Para “show off” foi detido à chegada, interrogado durante 48 horas e posto em seguida em liberdade por não se terem reunido “matéria incriminatórias”, não obstante os golpes de Estado e as champanhas terroristas por si lideradas… Seria ainda reintegrado nas Forças Armadas em 1978 e proposto em 1981 à honra de marechal pelo Conselho da Revolução! 

Ao contrário de muitos capitães ignorados quando não vilipendiados pelo regime de novembro, Spínola receberá em 1987, pelas mãos de Mário Soares agora presidente, a nomeação para Chanceler das Antigas Ordens Militares Portuguesas, tendo ainda recebido a Grã-Cruz da Ordem Milita da Torre e Espada pelos “feitos de heroísmo militar e cívico e por ter sido símbolo da Revolução de Abril e o primeiro Presidente da República após a ditadura”. Era então primeiro-ministro Cavaco Silva, o mesmo que recusaria uma pensão ao Capitão Salgueiro Maia, um dos heróis do dia 25, a mesma pensão que ele, Cavaco, atribuiria a dois antigos agentes da PIDE… 

A notícia de hoje é por isso, apenas mais um episódio da reabilitação dum general do fascismo que conspirou, agrediu e cometeu os maiores atos de traição contra a revolução portuguesa e a classe trabalhadora. Que Marcelo no ano passado o tenha condecorado às escondidas (como é relatado no Público) com “a mais alta insígnia da Liberdade” é sintomático de toda a repulsa que ainda hoje essa sinistra figura provoca; que isto nos seja dado a conhecer duas semanas antes da celebração dos 50 anos do 25 de Abril é só mais uma eloquente demonstração de como o regime de novembro é a consumada negação da revolução portuguesa, de tudo aquilo pelo qual a classe trabalhadora sonhou e lutou nos anos de 74 e 75! 

É preciso derrotar novembro, derrubar o capitalismo e cumprir Abril. 

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